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O que é filosofia?

        O que é filosofia?

Prof. Adriano Albuquerque Gomes

 

        O currículo oficial de filosofia do Estado de São Paulo impõe uma questão que talvez nenhum professor de filosofia, suponho, que atua na Rede pública tem condições de responder. Não se trata de incompetência. Não tem essas condições porque ela requer muito tempo para que o professor ou o filósofo ganhe experiência suficiente para saber o que é filosofia. E essa experiência não é a do tempo pelo tempo simplesmente, mas a experiência grandiosa e ociosa do trabalho com os textos dos grandes filósofos. Ora, nenhum de nós, professores, temos a ociosidade necessária essa experiência grandiosa de leitura, tal é a carga de trabalho que a necessidade nos impõe. É necessário recorrer a grandes mestres. E às vezes nem mesmo eles pretendem dar essa resposta. “O que é filosofia”?, propõe o currículo. Vejamos como alguns mestres se saem.

        Franklin Leopoldo e Silva é um dos professores de filosofia da USP e é, seguramente, um dos melhores da América Latina, se não for de toda a América. Em uma entrevista para a Scielo, revista de divulgação cientista e acadêmica, o professor (Silva, F. L. 2013, entrevista Scielo) deixa muito claro que ele é um professor de filosofia e não um filósofo. Ele não tem a pretensão de procurar as verdades, mas apenas de apresenta-las de maneira rigorosa, isto é, apresentar academicamente os pensamentos filosóficos. Isso significa, se não estou enganado, que ele não tem a pretensão de dizer o que é filosofia. Isso quer dizer que ele não sabe? Pelo contrário, ele sabe, mas a sua função é apenas de apresentar as filosofias. Tanto sabe, que em um vídeo Franklin Leopoldo e Silva (Silva, FL. 2015, vídeo) fala sobre a filosofia, e nesse caso ele nos dá uma noção muito apropriada do que ela pode ser.

        A noção que o professor nos dá (Silva, FL. 2015, vídeo) é aquela noção socrática da filosofia. Trata-se de uma incessante indagação da realidade das coisas, e do que é pensado sobre a realidade. O filósofo é aquele que faz as perguntas que não nos fazemos comumente. Nós perguntamos “que horas são”, e o filósofo pergunta o que é o tempo. Isso incomoda a todo mundo, já que perguntar “que horas são” é um serviço, mas perguntar o que é o tempo diz respeito a cada um de nós. O tempo nos é intrínseco. Todas as perguntas filosóficas tem a ver com a nossa vida. Por isso nos incomoda muito, diz o professor (Silva, FL. 2015, vídeo).

        Voltando no tempo da história da história da filosofia, vejamos o que Immanuel Kant tem a dizer sobre assunto tão importante, mas muito difícil. Immanuel Kant terá essa posição socrática sobre o que pode ser a filosofia, como nos pareceu ter Franklin Leopoldo e Silva?

        Ao fazer um prefácio para uma obra de um amigo seu, Immanuel Kant também nos lega uma noção de filosofia. Ele produz para esse prefácio alguns fragmentos. De um dos fragmentos retiramos dois trechos. Vejamos este trecho: “(...) Mas filosofia no sentido literal do termo, enquanto doutrina da sabedoria, tem um valor incondicionado; porque ela é a teoria do fim terminal da razão humana, que pode ser apenas um, do qual todos os outros fins se derivam ou ao qual devem estar subordinados, e o perfeito filósofo prático (enquanto um ideal) é aquele que satisfaz em si mesmo essa exigência (...)”. (Perin, Adriano. 2009, Analytica, V. 13, 1, p. 68). Ou seja, a filosofia é a busca da verdade, configurando um saber, e isso é o fim último ao qual todo filósofo busca. Nesse sentido, a filosofia é desprovida de uma utilidade para a vida prática do dia a dia. Mas ela é essencial no conhecimento da verdade, promovendo uma sabedoria sobre determinada questão. Isso nos leva a pensar que a filosofia é importante em si mesma. Não visa outra coisa, outro saber, mas ela mesma. Ela é o próprio saber. Porque que busca a si própria, ou seja, busca uma verdade a partir do que o pensamento pode produzir. Um esclarecimento, um fundamento. Esse fundamento é a filosofia. Por isso esta senhora basta a si mesma. Ela é o fim em si mesma.

        Retiramos outro trecho do fragmento do prefácio de Immanuel Kant. Ele diz o seguinte: “(...) Agora, a questão é se a sabedoria é infundida na pessoa de cima para baixo (por inspiração), ou escalada de baixo para cima através da força interior da sua razão prática. Quem afirma a primeira como um meio de conhecimento passivo imagina o absurdo da possibilidade de uma experiência supra-sensível, que está em exata contradição consigo mesma, (representar o transcendente como imanente) e baseia-se em uma tal doutrina secreta chamada misticismo, o qual é o exato contrário de toda filosofia e justamente por ser isso, ele (como o alquimista) estabelece como a maior das descobertas que ele está dispensado de todo trabalho racional e árduo das investigações da natureza, sonhando estar bem-aventuradamente num doce estado de fruição (...)” (Perin, Adriano. 2009, Analytica, V. 13, 1, p. 68). Aqui Immanuel Kant faz jus ao seu criticismo em relação à Metafísica. Ou seja, não podemos responder às questões metafísicas tais como elas são feitas pelos metafísicos. Por exemplo, quem é Deus? Essa resposta não é possível. Porque Deus não é racionalmente imanente à nossa realidade. Essa perspectiva kantiana (Kant, I. 2001, III, B 7) nos leva ao fato de que a razão só deve se ocupar de questões sobre as quais ela pode perfeitamente responder racionalmente.

        O que temos aí diante destes dois ricos trechos do pensamento de Immanuel Kant? Muita coisa a pensar, mas uma delas é uma importante noção do que pode ser a filosofia. Ele nos diz, no primeiro trecho, que a filosofia é o fim em si mesma. Ela é a própria verdade. Neste segundo trecho o filósofo tira a filosofia de uma lógica transcendental, e a coloca num plano imanente em relação à realidade das coisas. Portanto, o filósofo pensa a filosofia como uma experiência do pensamento, do espirito humano, num esforço para produzir um saber racional como todos os filósofos fizeram antes dele, mas não transcendental, e sim de alguma coisa imanente a realidade do que vivemos.

        Não há nenhuma distância entre o que pensa Franklin Leopoldo e Silva e o que pensa Immanuel Kant. Pensar sobre o que é o tempo, por exemplo, como assinalou Leopoldo e Silva, também é pensar em algo imanente à nossa realidade, mesmo porque o tempo é algo que nos diz respeito. E esse tempo tem uma história, tal qual nós, homens e mulheres temos.

        Então, o que é filosofia? Nós professores da Rede pública do Estado de são Paulo, não temos uma resposta, suponho, mas o que aprendemos com Franklin Leopoldo e Silva e com o histórico Immanuel Kant nos leva a pensar que ela é uma experiência do pensamento, buscando a si mesma, já que essa experiência é a verdade, ou a sabedoria.

 

        Referência bibliográfica

        Kant, I. Crítica da razão pura. Edições Calouste Gulbenkian, 5ª edição. Lisboa: Editora                    Calouste Gulbenkian, versão eletrônica, 2001.

        Perin, Adriano & Klein, Joel Thiago Klein. O conceito de filosofia em Kant – uma tradução                e um comentário. Edições Analytica, Vol. 13, Nº 1. Rio de Janeiro: Editora Semanário                filosofia da linguagem, 2009

        Silva, Franklin Leopoldo e. Entrevista para a Scielo.   https://www.scielo.br/scielo.php?

              script=sci_arttext&pid=S0101-31732013000100013

        Silva, Franklin Leopoldo e. vídeo de entrevista para a casa do saber. https://www.youtube.

              com/watch?v=kGHfOqL5Zns

 

        Questões para serem pensadas e entregue ao querido professor

        1 – De acordo com o autor deste texto por que os professores de filosofia do Estado de São Paulo não tem condições de responder o que é filosofia?

        2 – Que noção filosofia Franklin Leopoldo e Silva nos dá?

        3 – Qual é a crítica que Immanuel Kant faz à Metafísica?

        4 – Qual é a noção de filosofia que Immanuel Kant nos legou?